Disputas internas no PT e PSDB e a falta de
renovação dos quadros políticos locais nas últimas duas décadas fizeram com que
São Paulo, pela primeira vez desde as eleições presidenciais de 1950, há 63
anos, não tenha candidato competitivo ao pleito de 2014.
Na disputa após a redemocratização do país, com o
fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial em 1950, o gaúcho Getúlio Vargas
(PTB) venceu com 48,7% dos votos válidos. O fluminense Eduardo Gomes teve 29,7%
dos votos.
Após isso, em oito eleições diretas e duas
indiretas, quadros políticos de São Paulo estiveram presentes na corrida pelo
Palácio do Planalto.
Com absoluta hegemonia de candidatos paulistas nas
décadas de 1990 e 2000, a partir das presenças de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) e Luís Inácio Lula da Silva (PT), que ocuparam a cena eleitoral do país
no período.
Na avaliação do cientista político Bruno Wanderley
Reis, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais), as disputas internas no PT e PSDB de São Paulo
acabaram minando as chances de virtuais candidatos do Estado ao Palácio do
Planalto.
"Não é uma tendência. É uma situação
aleatória. Por causa das brigas internas dos grupos políticos dentro do PSDB e
do PT, São Paulo ficou sem candidatos", diz o professor.
"O [Geraldo] Alckmin [governador de São Paulo]
tem bons motivos para não deixar de tentar a reeleição. Além de não poder abrir
mão do Palácio Bandeirantes para o grupo do [José] Serra, atualmente ele é o único
nome competitivo da legenda na disputa estadual para enfrentar o PT",
afirma.
Quanto à candidatura presidencial de José Serra,
segundo Reis, ela começou a ser desconstruída em 2010 pelo senador Aécio Neves
(PSDB-MG).
"Ao ter esticado ao máximo a disputa interna e
insistido nas prévias em 2010, impedindo que Serra fosse consenso na
legenda, Aécio fragilizou o nome do paulista para a disputa em 2014, e foi
ocupando espaço dentro do partido.
Com a derrota de Serra para a prefeitura de São
Paulo em 2012, o quadro desfavorável (para o paulista) completou-se e ele teve
de desistir", diz o cientista político.
Aécio Neves e os
prefeitos
"Dentro do PT paulista, a situação não foi
diferente. Isso fez com que os quadros políticos de São Paulo, que durante duas
décadas tiveram o virtual monopólio das eleições, ficasse de fora do pleito de
2014", afirma o professor da UFMG.
"O Aécio conquistou espaço no PSDB com seu
discurso de federalismo fiscal, que defende uma distribuição de recursos mais
equilibrada entre União, estados e municípios. Sua base política é constituída
por prefeitos, deputados e vereadores, assim como a do Lula é de sindicalista e
trabalhadores. Isso sustentou o crescimento do seu nome na legenda", diz
Reis.
A professora do Departamento de Ciências Políticas
da USP (Universidade de São Paulo) Maria do Socorro Souza Braga concorda.
Estudiosa de eleições presidenciais, a professora diz que a não participação de
quadros políticos de São Paulo nas eleições presidências de 2014 é "um
fato totalmente inusitado".
"Essa situação é resultado das lutas internas
dos partidos em São Paulo, além da não renovação dos quadros partidários. São as
mesmas pessoas, os mesmos nomes, no PT e no PSDB, há 20 anos", afirma.
"O próprio Fernando Henrique (Cardoso)
comentou que a fila anda. Tem que andar".
"Alckmin não pode sair para não abrir espaço
para o grupo do Serra. Também não pode se arriscar numa eleição presidencial e
permitir que o PT possa vencer o pleito estadual.
As lideranças do PT em São Paulo, possíveis
candidatos a presidente foram caindo um por um. (José) Dirceu por causa do
mensalão, (Aloísio) Mercadante e Marta Suplicy, que em determinados momentos
tiveram chance de substituir Lula, tiveram seus nomes queimados por essas
disputas internas", diz a especialista.
"Quando Lula teve de procurar um nome teve de
fazê-lo fora de São Paulo".
Maria do Socorro Braga diz ainda que o fato de o
campo político à direita estar esvaziado nos últimos anos também explica o
"fato inusitado" de São Paulo não ter candidatos às eleições
presidências.
"A direita sempre teve um núcleo importante em
São Paulo, mas está cada vez mais acéfala e não consegue lançar candidaturas.
Os partidos que atuam nesse campo não conseguem se fortalecer e acabam optando
pelas coligações, a exemplo do PSD", afirma.
O anti-candidato
paulista e o nojo à ditadura
Nem na ditadura militar, quando foram realizadas
cinco eleições indiretas, absolutamente controladas pelo regime instalado em
1964, os paulistas deixaram de marcar presença em eleições presidenciais.
Ulysses Guimarães, deputado federal e presidente do
então MDB (Movimento Democrático Brasileiro), há quase 40 anos, enfrentou a ditadura
militar por meio de uma anti-candidatura sem chances de vitória.
Ulysses apresentou seu nome ao colégio eleitoral
que elegeu indiretamente o general Ernesto Geisel e o general Adalberto
Pereiras dos Santos como vice, da Arena (Aliança Renovadora Nacional),
presidente da República, em janeiro de 1974, com 84,04% (400) dos votos dos
deputados e senadores.
O deputado federal de Itirapina (SP) (214 Km da
capital) e o pernambucano candidato a vice Barbosa Lima Sobrinho tiveram 76
votos (15,96%).
Terá valido a pena essa candidatura paulista, em
algum momento, na luta contra a ditadura, lembra a professora da USP. Pois, 14
anos depois da anti-candidatura paulista, em 5 de outubro de 1988, há exatos 25
anos, Ulysses apresentava ao país uma nova constituição – democrática – e
declarava seu "ódio" e "nojo" ao período ditatorial, sem
eleições presidenciais, que se encerrava.